domingo, maio 21, 2006

Do PCC à fome


A fumaça e o cheiro de queimado ainda se espalhavam pelo ar quando eu cheguei, na manhã da última segunda-feira, próximo ao número 109 da rua Alfredo Ximenes, no José Menino. No chão, ao lado da linha férrea, estava o corpo queimado de um homem de aproximadamente 20 anos. Era o início da semana para muitos, mas meu terceiro dia de reportagens sobre os ataques de organizações criminosas contra as forças de segurança de São Paulo.

Os peritos começaram a mexer no corpo, rijo, sob os olhares curiosos dos moradores do bairro. A imagem daquele homem, cuja pele já distorcida se assemelhava à borracha derretida, não sai da minha cabeça. Em off, o perito afirmou que ele ainda havia recebido três tiros. Excluindo a dúvida se o caso seria ou não considerado mais um ataque do PCC, outras várias vieram me perturbar, entre elas, a central: até onde o homem pode chegar?

Para mim, o dia já havia terminado ali. Não terminou. À tarde, o corre-corre do pânico, da angústia, da insegurança. Guardadas as devidas proporções, me senti como os americanos no pós-11 de Setembro, ou como os espanhóis, no pós-11 de Março. Desesperadas, as pessoas queriam chegar logo em casa, único local em que se sentiam realmente seguras. Algo, aliás, psicológico. Às 17h, não havia ninguém na rua.

Passei o resto da semana recolhendo e contando casos de ataques, incêndios, assassinatos, execuções. Ontem, fui para a aula do meu curso em São Paulo e terminei a semana no metrô, voltando para casa. Foi onde ouvi o seguinte pedido de uma mulher que segurava um bebê e tentava controlar outras duas crianças que se desequilibravam: - "Desculpem incomodar, mas teve um incêndio na favela tal, em que eu perdi todas as minhas coisas. Gostaria de pedir um pão, um leite, uma moeda, um "tick", porque só quem é mãe sabe o que é ver o filho passando fome e ter de encher a mamadeira com água."

O filme passou rápido e as dúvidas voltaram. Do PCC à fome, há certeza apenas de que algo está errado. Não são os princípios e o caráter que fazem o homem, mas a falta deles. A culpa não é do governo, que deixa de cumprir seu papel, mas nossa, que elegemos seus integrantes. E, com isso, cada vez mais temos de conviver com o caos diário e tentar sobreviver à angústia constante... de viver.

Foto: Marcelo Justo

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Perfeito, Mari. bjs Luz

22/5/06 13:04

 
Anonymous Anônimo said...

Muito legal este texto. Onde é que vamos parar?? Enquanto o Brasil continuar com essa distribuição de renda, na qual uma elite mínima tem tanto, e muitos têm que colocar água na mamadeira para "enganar" os filhos, o PCC vai continuar mandando mais que o PT (com o perdão do trocadilho).

22/5/06 16:14

 
Anonymous Anônimo said...

Oi Mari,
Ando meio pensativa também sobre o nosso papel nessa sociedade caótica, na qual só exigimos e não fazemos nada. Será que não está na hora de uma revolução social? Ou é mais fácil fingir que nada acontece e continuar com as nossas vidas medíocres?

25/5/06 09:52

 
Anonymous Anônimo said...

"Não são os princípios e o caráter que fazem o homem, mas a falta deles". Não seria um julgamento pelo avesso? Talvez nestes tempos modernos, a gente só enxergueo que é de ruim, nossos olhos parecem vidrados no que há de ruim e não vêem o lado bom das pessoas. Creio que isso é fruto do nosso cotidiano traumático. Depois daqueles dias de cão, peguei aversão por sirenes. Fico com a sensação de que ainda viveremos ilhados, com medo de caminhar pelas ruas, com o incômodo de termos sombra. Talvez devamos pensar em viver novamente em comunidades, livres de bandidos e polícia, mas quem garantirá a paz nessa terra que nem foi prometida?
Acho que é essa desilusão que seu texto passa, o sentimento que assalta a todos nós nestes tempos de violência.

29/6/06 00:29

 
Anonymous Anônimo said...

a puliça inda num discubriu quem era o prisunto nem quem tocô fogo

22/8/06 00:05

 
Anonymous Anônimo said...

Mari, é incrível meu sentimento em relação a você, quando eu leio seus textos. E é a segunda vez que vou expor isso nesse blog...(tô ficando velha e melancóloca!)
Por mais que eu admire suas idéias e a forma como você as posiciona, tenho maior em mim um orgulho de irmã mais velha. Engraçado né? Você tem uma? Tamos aí...
Poderia ler, admirar, achar brilhante e pronto. Mas me orgulhar? Pois é, acontece. Fico feliz por sentir isso e, fico orgulhosamente feliz por você!
Beijo

8/12/06 10:22

 

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