Do PCC à fome

A fumaça e o cheiro de queimado ainda se espalhavam pelo ar quando eu cheguei, na manhã da última segunda-feira, próximo ao número 109 da rua Alfredo Ximenes, no José Menino. No chão, ao lado da linha férrea, estava o corpo queimado de um homem de aproximadamente 20 anos. Era o início da semana para muitos, mas meu terceiro dia de reportagens sobre os ataques de organizações criminosas contra as forças de segurança de São Paulo.
Os peritos começaram a mexer no corpo, rijo, sob os olhares curiosos dos moradores do bairro. A imagem daquele homem, cuja pele já distorcida se assemelhava à borracha derretida, não sai da minha cabeça. Em off, o perito afirmou que ele ainda havia recebido três tiros. Excluindo a dúvida se o caso seria ou não considerado mais um ataque do PCC, outras várias vieram me perturbar, entre elas, a central: até onde o homem pode chegar?
Para mim, o dia já havia terminado ali. Não terminou. À tarde, o corre-corre do pânico, da angústia, da insegurança. Guardadas as devidas proporções, me senti como os americanos no pós-11 de Setembro, ou como os espanhóis, no pós-11 de Março. Desesperadas, as pessoas queriam chegar logo em casa, único local em que se sentiam realmente seguras. Algo, aliás, psicológico. Às 17h, não havia ninguém na rua.
Passei o resto da semana recolhendo e contando casos de ataques, incêndios, assassinatos, execuções. Ontem, fui para a aula do meu curso em São Paulo e terminei a semana no metrô, voltando para casa. Foi onde ouvi o seguinte pedido de uma mulher que segurava um bebê e tentava controlar outras duas crianças que se desequilibravam: - "Desculpem incomodar, mas teve um incêndio na favela tal, em que eu perdi todas as minhas coisas. Gostaria de pedir um pão, um leite, uma moeda, um "tick", porque só quem é mãe sabe o que é ver o filho passando fome e ter de encher a mamadeira com água."
O filme passou rápido e as dúvidas voltaram. Do PCC à fome, há certeza apenas de que algo está errado. Não são os princípios e o caráter que fazem o homem, mas a falta deles. A culpa não é do governo, que deixa de cumprir seu papel, mas nossa, que elegemos seus integrantes. E, com isso, cada vez mais temos de conviver com o caos diário e tentar sobreviver à angústia constante... de viver.
Foto: Marcelo Justo